segunda-feira, julho 29, 2019

Falando ao oceano...

Algumas folhas de papel, caídas sobre a areia de uma praia pouco visitada, traziam as seguintes linhas:

Quando abraço o oceano com o olhar, volto a questionar milhões de coisas, tantas quanto as ondas que ganham a areia.

Volto a questionar: Como alguém pode sentir-se só na presença do mar? Na presença desta brisa incessante? Na companhia deste perfume raro?!

Como ainda posso me sentir só, sabendo que os braços do invisível me abraçam, que aqueles que partiram continuam existindo, e que todos nós, sem exceção, somos amados por alguém!? Como ainda posso me sentir só?

Talvez seja porque eu me isole do mundo, e seja exigente demais com as pessoas. Pode ser isso.

Talvez seja porque eu não permita que os outros conheçam minha vida, meus sonhos, minhas dificuldades. Acho que há um pouco de orgulho nisso.

Quem sabe seja porque eu procure a solidão, e não ela que me persiga, como eu imaginava.

É... Talvez eu precise conversar mais com as pessoas, me interessar mais por suas vidas, ouvir.

Há tempos que não ouço alguém; um desconhecido relatando os acontecimentos corriqueiros do dia a dia; um colega de trabalho falando das peripécias de seus filhos.

Meus irmãos: há tempos não converso com eles sobre assuntos profundos, como planos para o futuro, lembranças boas do passado.

É curioso, pois lembro-me de que há algumas semanas ouvi uma mensagem de cinco minutos, num programa de rádio, que falava sobre isso, sobre como as pessoas se isolam umas das outras, e do quanto isto é prejudicial para a saúde mental e física, já que uma é consequência da outra.

O locutor dizia que quem ama não se sente só, pois está sempre se doando, se envolvendo com os corações mais próximos, na intenção de ajudar.

Dizia ainda que, quando nos sentimos úteis, e concluímos que muitos dependem de nossa dedicação, de nosso amor, também esquecemos da solidão.

Acredito que ele tenha razão, pois lembro que naquele dia fui visitar uns tios que não via há muito tempo, e aquela visita fez-me tão bem!

Falamos de assuntos comuns, como notícias de televisão, notícias da família, mas ao final saí de lá menos tenso, menos preocupado com a solidão.

Abracei minha tia, e a ouvi dizer, por entre lágrimas discretas: Gostamos muito de você, viu? Venha mais vezes! Não é sempre que recebemos visitas!

Ela está certa. Não é sempre que recebemos visitas, pois não é sempre que visitamos os outros, creio eu.

Naquela tarde, vi que poderia ser útil em pequenas coisas, e que aquilo me afastava um pouco da solidão.

Dentro do carro, voltando para casa, observando o movimento intenso nas ruas, lembro de fazer estas mesmas perguntas: como pode alguém sentir-se só na presença de tanta gente, de tanta vida!?

Quantos desses corações esperam apenas por uma visita? E quantos deles estão dispostos a fazer uma?

E aqui está você, amigo oceano, à minha frente, ouvindo todas estas minhas divagações. Acho que foi sua presença, rei das águas, que me ajudou a entender melhor o que se passa em meu íntimo.

Agradeço profundamente por sua companhia, por conseguir me ouvir, e por me dizer, mesmo sem falar, que o que preciso fazer é visitar mais o coração de meu próximo.

Muito obrigado.

sexta-feira, julho 19, 2019

Baleias ou sereias?

Estamos vivendo a época do culto ao corpo. Naturalmente que cuidar desse precioso instrumento de trabalho é muito importante.

Contudo, criou-se a ideia de que as pessoas precisam ter corpos esculturais.

Cresce o número de escolas para modelos e muitas adolescentes sonham em se tornar top model. Em serem ricas e famosas.

Nas lojas, encontram-se manequins que se direccionam para esse segmento de mercado, em número expressivo.

As academias anunciam fórmulas diversas para se atingir o objectivo de um corpo perfeito.

Medicamentos, drogas são receitadas e utilizadas para se conseguir o efeito almejado.

A propósito, lemos que uma determinada academia, colocou, no início do verão, um outdoor com o seguinte apelo:

Neste verão, você quer ser sereia ou baleia?

Uma mulher dirigiu à academia a seguinte resposta:

Ontem vi um outdoor da academia, com a foto de uma moça escultural, de biquíni, e a frase: “Neste verão, qual você quer ser? Sereia ou baleia?”

Respondo que as baleias sempre estão cercadas de amigos.

Elas engravidam e têm filhotinhos fofos. Elas amamentam.

Nadam por aí, cortando os mares e conhecendo lugares maravilhosos como as baías de gelo da Antárctida, ou os recifes de coral da Polinésia.

Baleias esguicham água e brincam bastante. Baleias cantam muito bem e têm até CDs gravados.

Baleias são lindas e amadas.

E quanto às sereias? Bom, sereias não existem. Se existissem, viveriam em crise.

Elas não têm filhos, pois matam os homens que se encantam com sua beleza e sua melodia.

São lindas, mas tristes e solitárias.

*   *   *

A resposta encaminhada nos leva a refletir em como temos dado excessiva ênfase ao corpo.

Ênfase que se reflete na sociedade, de um modo geral.

Tanta que, por vezes, pessoas com maior peso têm dificuldades para entrar em determinados lugares, para se sentar em bancos pequenos, estreitos.

É claro que o descuido com o corpo gera uma série de inconvenientes, de enfermidades.

Não menos o exagero que leva as pessoas a não se alimentarem, a desenvolverem fobias por gramas a mais, a padecerem de bulimia.

E em tudo isso temos esquecido de algo muito importante: o ser que habita o corpo é mais importante do que o corpo.

Assim, nem tanto ao mar, nem tanto à Terra, como diz a sabedoria popular.

Mais adequada está determinada marca de produto que, no verão, aproveitou para divulgar que o sol, o mar e a praia são para todas as mulheres.

Mesmo aquelas que não têm um corpo escultural.

Assim, preservar-se, alimentar-se de forma adequada, exercitar-se. Tudo muito bom.

Mas, sem exageros, a fim de que não se caia no desleixo ou no excesso de cuidados.

E, mais que tudo, recordar que é preciso cultuar valores imperecíveis, que não acabam com o corpo.

Uma pessoa é amada e tem valor real não pelo peso de seu corpo, pela forma harmoniosa ou não, mas pelo seu conteúdo.

Conteúdo que não perece com os anos, não enruga, não envelhece.

Conteúdo que se traduz em saber granjear amigos, manter a família, produzir para o benefício de todos.

Assim, sejamos sábios e aproveitemos o que há de bom na sereia e na baleia.

Cuidado exterior, sim. Beleza interior, também.

E, por fim, lembremos que somos seres imortais, destinados à perfeição.

Hoje, somos humanos. Amanhã, seremos anjos, benfeitores dessa e de outras Humanidades, espalhadas por esse imenso Universo de Deus.