estava a sonhar com uma história..., um desenrolar de acontecimentos que por qualquer motivo o sonhador iniciou a contestar.
Não de forma abrupta, mas nos pequenos detalhes, como se o sonhador subitamente ganhasse um direito a não assistir somente como espectador à sua história mas a intervir, como voz superior sobre a cena que estava a presenciar sobre si próprio. Questiona-se perante o pasmo dos actores e sobre si mesmo, sobre a cena que está a decorrer a um determinado momento e esta interrompe-se...
Para o sonhador este estado de consciência sobre as cenas do seu sonho, não tem um corpo e mesmo assim tem ascendente sobre tudo o que se passa no próprio sonho.
À medida que se interessa pelo decorrer da história do sonho, gradualmente coloca questões às cenas que se desenrolam, enfim ao guião desconhecido.
As intervenções vão-se sobrepondo até que já ocupam metade da capacidade de memória do sonhador.
Talvez por ter pressionado continuamente de forma tão implacável o sonhador reencontra-se com surpresa numa outra história diferente, outro sonho, outro guião que se tenta impor para conduzir o sonhador a mais um conto de Morfeu.
Incrivelmente após um suceder de imagens e situações propostas pelo novo guião, a anterior consciência intromissa volta à carga, continua a colocar questões desafiantes de tal forma precisa e eficaz que não tarda, desta vez num menor espaço de tempo sonhado, o guião que se tentava impor cai novamente, colocada em causa a sua origem, a sua veracidade, ou mesmo a sua real existência...
Novo sonho, novo guião se tenta impor e assim sucessivamente naquilo que para o sonhador parece por breves instantes sonhados uma eternidade de confrontos, de tentativas de um forjar e de um desvendar da forja.
De tal forma se sucede esta precipitação pelo abismo do descortinar, que no acirrar das questões não respondidas entre o autor dos sucessivos sonhos e a consciência que lhes contesta validade, no seu auge acontece uma espécie de cair do pano... o desvendar de um plano possível onde estas duas entidades finalmente se irão conhecer; a consciência do sonhador e a entidade que origina os guiões dos seus próprios sonhos.
Esta cena é representada para o sonhador e para o misterioso responsável pelos sonhos, por um local onde a consciência do sonhador de um rompante, ao contestar a genuinidade de um ultimo sonho que está a ser-lhe apresentado, vê este sumir-se numa parede enorme cheia de telas tipo televisores, onde enquanto se desvanece este último sonho o sonhador compreende o processo, ao verificar os outros ecrans apagados como sendo o local onde cada um dos sonhos que havia vislumbrado anteriormente lhe tinha sido projectado.
Era a casa das projecções onde havia de aparecer um formidável demónio, furioso disposto a atormentar a consciência do sonhador com derradeiro esforço, talvez para causar um pesadelo infernal.
Um intenso confronto aconteceu e a consciência debateu-se frontalmente de tal forma, com tal energia que a imagem era a de um rosto demoníaco com os olhos esbugalhados, retorcendo-se em agonia, incapaz de dominar ou possuir esta consciência que afirmava perante este demónio, que todos os sonhos eram uma mentira, sua demoníaca obra e que a verdadeira origem de todas as coisas, do sonho de verdade, era o não sonho.
Era o espaço que não estava tomado, o vazio que não tinha sido preenchido. O Som que não se escuta, o Absoluto que não se determina.
Essa consciência tomada de uma enorme certeza de que tudo que lhe havia sido proposto era encantamento e mentira, procurava agora encurralado este demónio em agonia e de forma implacável, saber-lhe a origem... descortinar-lhe a pátria, a origem deste tormento.
Naquele que foi um instante em que a consciência do sonhador sentiu como ter um rosto e este estar praticamente colado a um rosto demoníaco, numa pressão inimaginável, munida da certeza do seu saber residente em espaço vazio, num estertor daquilo que lhe pareceu o ceder do demónio, o sonhador acordou.
Acordou com tudo presente. Com o acordar e um ultimo até um dia àquela consciência sonhada que com o sonho se afastava, o sonhador ao mesmo tempo que despertava sentia profundamente ter confrontado a forma real, do seu próprio ego.
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