segunda-feira, abril 20, 2020

PASTOREIO DO TOURO

A RECUPERAÇÃO DA PUREZA ORIGINAL

Nos dez quadros do pastoreio do touro, o mestre zen Kaku-as Shi-em na dinastia Sung, ilustrou as etapas da doutrina zen. Ali está o homem, dividido em personalidade e espírito, esquecido da pureza original, lutando contra tudo, incapaz de distinguir entre a falsidade e a verdade. Mas, ao prestar atenção àquilo que o rodeia, percebe, através dos sentidos, a verdadeira natureza das coisas, eliminando toda noção de ganho e perda, de claro e escuro. Enfim, a dualidade desaparece quando se recupera a natureza original.

    PROCURANDO O TOURO  
  Descrição: Descrição: Descrição: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiEWuuKhxDSeysQFVaRr-F48wnasRyLlqavMdDIuJzzpCS9ZlA20Bo-V83xdEK8nmHF1ssscFn-5x8NyD5DzfatTK7grJs183JrdmPik6_JaOQBUFXaI4jD8SMoX-VpHYjK_WDJAg/s400/AA.jpg

O touro, na realidade, nunca foi perdido. Então, por que procurá-lo? Tendo dado as costas à sua verdadeira natureza, o homem não pode vê-lo. Por causa de suas ilusões, ele perdeu o touro de vista. Repentinamente, se acha confrontado por um labirinto de encruzilhadas. Desejos de ganhos e medos de perdas sobem como chamas; ideias de certo e errado aparecem como punhais.

“Desolado através da floresta, com medo, nas selvas, ele procura o touro e não encontra. Para lá e para cá, grandes rios sem nome; nas profundezas dos ermos das montanhas ele segue muitas veredas. Cansado de coração e corpo, continua sua busca por aquilo que não pode ainda encontrar. De tardinha, ouve as cigarras cantando nas árvores.”


ENCONTRANDO A PISTA
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Através dos sutras e ensinamentos, ele vislumbra as pegadas do touro. Foi informado que, assim como diferentes vasos (de ouro) são todos basicamente do mesmo ouro, assim também cada coisa é uma manifestação do próprio ser. Mas ainda é incapaz de distinguir o bem do mal, a verdade da falsidade. Não entrou ainda pelo portão, mas vê, numa tentativa, a pista do touro.

“Inumeráveis pegadas ele viu na floresta e nas margens das águas. Não é aquilo que ele vê adiante, mato amassado? Mesmo nas mais profundas grutas ou nos mais altos picos, não pode ser escondido o nariz do touro que alcança para os céus nas alturas.”

 PRIMEIRO VISLUMBRE DO TOURO
Descrição: Descrição: Descrição: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhfO_2Qy13oL4LTjoqwtwzvd26VskMpVHJ982EeXpMcVgqOjOYsy-tlig5reeS9DttR0oC-fv05-v0pGwiZBrN8-fN6QMn-z2ANkfPQTqX4lEJ4C83u95RMVZWhnd8ZMdxJ__KvKA/s400/CC.jpg

Se ele somente escutar os sons de cada pegada, virá à realização e, naquele instante, verá a própria origem. Os seis sentidos não são diferentes desta verdadeira origem. Em todas as actividades a origem está manifestamente presente. E análoga ao sal na água, à liga na tinta. Quando a visão interna está correctamente focada, realiza-se, que o que é visto é idêntico à origem.

“Canta o rouxinol num galho o sol brilha nos salgueiros que ondulam; ali está o touro, onde poderia esconder-se? A esplêndida cabeça, os majestosos chifres, que artista pode retratá-lo?”

SEGURANDO O TOURO
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Hoje ele encontrou o touro que estava vadiando pelos campos selvagens. E verdadeiramente o pegou. Por tanto tempo se comprazeu nestes arredores que quebrar seus velhos hábitos não é fácil. Continua querendo o capim cheiroso, está ainda indócil e teimoso. Para domesticá-lo, completamente, o homem deve usar o chicote.

“Ele deve segurar firmemente a corda e não soltar agora ele corre para as terras altas agora demora-se nas ravinas enevoadas.”

DOMESTICANDO O TOURO    

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Com o nascimento de um pensamento, outro e outro mais nascem também. A iluminação traz à realização, pois estes pensamentos são irreais, já que não surgem de nossa verdadeira natureza. Somente porque a ilusão permanece, são os pensamentos tidos como reais. Este estado de ilusão não se origina no mundo objectivo, mas em nossas próprias mentes.

“Ele deve segurar o touro com força pela corda do nariz e não permitir que vague sem cuidado. Ele se torna limpo e claro. Sem cabrestos, segue o dono por sua própria vontade.”

INDO PARA CASA MONTADO NO TOURODescrição: Descrição: Descrição: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi8NAKXQeJEFLqs6mFRKSk-fnKk0JV142E1WscGbp0JotTtPmhYOBKNseWvWqT44pSYB3zetTy_gQCybJt7MpE2MJvYuhGgqc_08EQTVgsubMENCRR167OmHErrZlIx7v1fBMbngA/s320/FF.jpg

A luta acabou, “ganho e perda” não mais afectam. Ele murmura canções rústicas dos montanheses e toca as cantigas simples da meninada da aldeia. Montado no lombo do touro, olha serenamente as nuvens que passam. Sua cabeça não se vira (na direcção das tentações). Tente-se, como quiser, aborrecê-lo, e ele permanece imperturbável.

“Usando um grande chapéu de palha e capa, montado e tão livre quanto o ar, ele alegremente vem para a casa através das neblinas do entardecer. Aonde quer que vá, cria a brisa fresca, enquanto que no coração prevalece a profunda tranquilidade. O touro não requer nem um talo de capim.”

O TOURO ESQUECIDO, O EU SOZINHODescrição: Descrição: Descrição: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgPFIcM8rSF_i8uxH0lc_b3F2rMwe2JtzYumQSvAbZrioS7kML4MtGX0xeZR5Av-OZ-FrRDLGteC843zYOXWl0aPgVgYHD0vi8ONspLgU4UOp94IMkB_BBGFVr0ZYcxwM1OS6adNA/s320/GG.jpg

No dharma não há duas coisas. O touro e sua natureza original. Isso ele reconhece agora. A armadilha não é mais necessária quando o coelho foi capturado, a rede se torna inútil quando o peixe foi apanhado. Como o ouro separado da escória, como a Lua que apareceu entre as nuvens, um raio de luz brilha eternamente.

“Somente com o touro ele pode chegar a casa mas agora o touro desapareceu e só e sereno senta o homem. O sol vermelho passa alto no céu enquanto ele sonha placidamente. Lá em baixo do telhado de sapé jazem, sem uso, chicote e corda.”

O TOURO E O EU SÃO ESQUECIDOSDescrição: Descrição: Descrição: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiPirtztB7LyV4NQ1-muZOpFc9AuQiXnfKSUpZ9HCedSn2noqz1jOn2Ud5KebwigSN878q3-kXmR2HN2Qe0YjKgi8rsoIHnrcIxeJhkwn4jVgulX6eF_BjF1h2zW6ShP2nHJMnsHQ/s320/HH.jpg

Sumiram todos os sentimentos ilusórios e desaparecidas estão também as ideias de santidade. Ele não se demora (no estado de “eu sou um Buda”) e passa rápido (pelo estado de “e agora me livrei do orgulhoso sentimento de ser”) para não Buda. Mesmo os mil olhos (dos quinhentos Budas e patriarcas) não podem discernir nele qualquer qualidade específica. Se centenas de pássaros jogassem flores por sua casa, ele só se sentiria envergonhado.

“Chicote, corda, touro e homem pertencem igualmente ao vazio. Tão vasto e infinito é o céu azul que não há conceitos que o alcancem. Sobre o fogo flamejante o floco de neve se funde. Quando este estado é realizado chega finalmente a compreensão do espírito dos antigos patriarcas.”

   VOLTANDO A ORIGEM
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Desde o começo, nunca houve nem um grão de poeira (para bloquear a pureza intrínseca). Ele observa o crescer e decrescer das coisas do mundo, enquanto permanece sem esforço, num estado de tranquilidade inalterável. Isto (o crescer e decrescer) não é ilusório nem fantasmagórico (mas a manifestação da origem). Por que, então, é preciso lutar por algum objectivo? As águas são azuis e as montanhas verdes. A sós, consigo mesmo, ele observa o mudar sem fim das coisas.

“Ele voltou à origem, retornou à fonte primeira. mas seus passos foram em vão. E como se agora estivesse surdo e cego. Sentado em sua palhoça, não procura coisas de fora; fluem de si mesmas as águas correntes, flores vermelhas desabrocham naturalmente vermelhas.

ENTRANDO NA PRAÇA DO MERCADODescrição: Descrição: Descrição: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhO0aQb9_bJG6DaYqCVOqYBDb8MLNeBXs7reWgxxtIyDQBlCjg2coT5A9K5Vsqn_q94a_MiykEUlziEwef-lwPq5pnFy7HZscLn2C95vYw6zs75HCWjrdz0IiJ1mz3qRyc1MlIKag/s320/JJ.jpg


O portão de sua palhoça está fechado. Nem o mais sábio pode encontrá-lo. O seu panorama mental finalmente desapareceu. Ele vai no seu próprio caminho, não fazendo tentativa alguma de seguir os passos dos antigos mestres. Carregando uma garrafa, passeia pelo mercado; apoiado num bordão, volta para casa. Conduz os donos de botequins e peixarias ao caminho de Buda.

“De peito nu e descalço, dá entrada no mercado enlameado e coberto de poeira; como sorri amplamente sem recorrer a poderes especiais faz com que as árvores ressequidas floresçam novamente.”


FONTE: ZEN-BUDISMO. Planeta especial. N. 188-A.
Os dez quadros do pastoreio do touro dizem respeito ao nosso desenvolvimento interior e possui também um significado mais amplo, pois neles se manifesta a busca da própria humanidade. Podemos também associar os quadros ao mito do filho pródigo do cristianismo. O filho pródigo “tendo dado as costas a sua verdadeira natureza”, se perde tal como o pastoreio do touro e perambula pelo mundo buscando a felicidade para, enfim, voltar e encontrá-la na casa do pai.
Os quadros representam nossa própria busca interior, pois todos temos que enfrentar nossos inimigos, que são as recordações, os hábitos e as repetições. É preciso que estejamos atentos a esses círculos viciosos e cansativos cujo peso impede que encontremos a paz e o repouso.

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