Quantas vezes reclamamos por ter muito trabalho? Ter peso a carregar? Ter alguma coisa mais difícil para elaborar?
É comum que nos afirmemos incapazes de realizar isso ou aquilo. Quer dizer: damo-nos por vencidos, antes mesmo de tentar, de batalhar para conseguir. Muitas pessoas, no entanto, nos dão exemplos de que para quem deseja, nenhum obstáculo é bastante forte para impedir o alcance do objetivo.
Recordamos Beethoven que, totalmente surdo, compôs oito das suas sinfonias. É um testemunho do triunfo do Espírito sobre a matéria. Ravel compôs um concerto de piano para a mão esquerda, especialmente dedicado a um pianista amigo que perdera a mão direita na guerra.
Um dos mais extraordinários exemplos de triunfo sobre a matéria nos dá o polonês Arystarch Kaszkurewicz.
Poucos devem ter ouvido falar a respeito desse homem ímpar que morreu, no ano de 1989, no anonimato, em São Bernardo do Campo, Estado de São Paulo. Dedicou-se à arte sacra, notadamente à arte de vitrais, mosaicos e afrescos. Também fez cerca de vinte vitrais contando a História da Colonização do Brasil. Sua arte está espalhada em dezenas de igrejas, templos, basílicas e hospitais pelo país. Uma autora o chamou de O arquiteto dos deuses.A História desse artista poderia ser como tantas outras não fosse pela peculiaridade com que se desenrolou.
Arystarch era pós-graduado em Direito em Varsóvia e cursou Belas Artes na Alemanha. Nascido em 1912, durante a Segunda Guerra Mundial, sofreu a perda das duas mãos e do olho esquerdo, em consequência da explosão de uma granada. A limitação física e a perseguição aos poloneses fizeram com que ele escolhesse o Brasil para continuar vivendo com sua esposa e seu filho. Desejava reconstruir sua vida. Na época, havia um decreto em nosso país proibindo a imigração de deficientes físicos.
O país precisava de mãos laboriosas para a produção.
Foi por intervenção de uma instituição religiosa alemã que, em 1952, o presidente Getúlio Vargas lhe deu a autorização. Ele desembarcou no porto de Santos com a reduzida família e se fixou, posteriormente, em São Bernardo do Campo. A princípio, trabalhou como empregado em uma casa especializada em vitrais. Somente pedia uma coisa: que lhe arregaçassem as mangas.
Usava os tocos dos dois pulsos para segurar o lápis, a caneta, o pincel e trabalhava com rapidez. Peregrinou por todo o país, que adotou como lar, espalhando a beleza e a esperança, através de sua arte. Avesso à publicidade, morreu no anonimato. A poesia dos seus vitrais encanta as criaturas, mesmo que suas obras não tragam sua assinatura.
Não nos deixemos abater pelas tempestades da vida. Se temos um corpo perfeito, pensemos em quantos gostariam de usufruir dessa ventura. E, mesmo em suas limitações, se encantam pela vida e deixam a sua poesia, a sua alegria e a sua esperança para que outros com elas se felicitem. Limitados, se superam. Mutilados, afirmam com sua obra que o Espírito é soberano, senhor do corpo a quem governa. Pensemos nisso e não nos permitamos deixar de produzir o bem, o bom, o belo.
Sem comentários:
Enviar um comentário