terça-feira, outubro 17, 2006

superando a dor

No dia 28 de julho de 1976, a cidade industrial de Tangshan foi completamente arrasada por um terramoto apavorante. 300 mil mortos. O fato ficou famoso como símbolo do colapso total das comunicações da china naquela época. A preocupação das autoridades era com a crise pela morte de Mao Tsétung e duas outras importantes personalidades. A notícia do terramoto acabou chegando ao governo através da imprensa estrangeira. Muitas mulheres ficaram sem marido e viram seus filhos desaparecer em abismos profundos. Chen foi uma delas.
Naquela manhã de julho, antes de clarear, ela foi despertada por um som estranho. Era uma espécie de ronco surdo e um assobio, como se um trem estivesse se espatifando contra as paredes da casa. Quando ia gritar, metade do quarto cedeu e a cama onde estava deitado o marido, foi tragada por um buraco enorme. O quarto das crianças, que ficava do outro lado da casa, como um cenário de um palco apareceu à sua frente. O filho mais velho estava de olhos arregalados e boca aberta. A menina chorava e gritava, estendendo os braços para a mãe. O filhinho pequeno continuava dormindo calmamente. A cena à sua frente sumiu de repente como se uma cortina tivesse caído. Chen acreditou que estava tendo um pesadelo e se beliscou. Não acordou. Então, espetou a perna com uma tesoura. Sentindo a dor e vendo o sangue, entendeu que não era um sonho. Gritou como louca. Ninguém ouviu. De todos os lados vinha sons de paredes desmoronando e de móveis quebrando. Ela ficou ali, com a perna ensanguentada, olhando para o buraco enorme que tinha sido a outra metade da sua casa. Seu marido e suas lindas crianças tinham desaparecido diante dos seus olhos. Sentiu vontade de chorar, mas não tinha lágrimas. Simplesmente não queria continuar vivendo.
Vinte anos depois, contando esta história a uma jornalista, Chen confessa que quase todo dia, ao amanhecer, ouve um trem roncando e apitando, junto com os gritos dos seus filhos. Os pesadelos a machucam, mas ela diz que os suporta porque neles estão também as vozes dos seus filhos.
E quem pensa que Chen vive somente a lamentar e a chorar a perda dos seus amores, engana-se. Ela junto a outras mães que perderam seus filhos no terramoto de 1976, fundaram um orfanato, com o dinheiro da indemnização que receberam. É um orfanato sem funcionários. Alguns o chamam de uma família sem homens. Vivem ali algumas mães e dezenas de crianças. Cada mãe ocupa um aposento grande com 5 ou 6 crianças. Os aposentos do orfanato foram decorados com uma infinidade de cores, de acordo com o gosto das crianças. Cada quarto com seu estilo de decoração. Bem diferente dos orfanatos tradicionais da china.
Ao ser questionada como se sente hoje, naquele voluntariado, confessa Chen: "muito melhor. Especialmente à noite. Fico olhando enquanto as crianças dormem. Sento ao lado delas, seguro suas mãos contra o meu rosto. Beijo-as e agradeço a elas por me manterem viva. É um ciclo de amor. Dos velhos para os jovens e de volta para os velhos."
"do livro As boas mulheres na China, de autoria de Xinran,ed. Companhia das letras"

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