Eles sobreviveram a duas guerras mundiais. Assistiram aos cenários de mais de
uma revolução. Ouviram as notícias da construção do muro de Berlim e assistiram
à sua derrubada.
Tiveram as noites da infância
iluminadas por velas e lampiões e aderiram, de forma rápida, à invenção de
Thomas Alva Edison.
Viram os tostões darem lugar a
uma nova moeda, que modificou sua denominação e seu valor várias vezes.
Viajaram em lombo de mulas, carroças,
carruagens e se surpreenderam com o Ford Bigode de Henry Ford.
Lembram de Yuri Gagarin, o russo
solitário no espaço, e da emoção da chegada do homem à lua.
Do radinho simples, que era o elo
de comunicação com o mundo, receberam a televisão como a grande novidade e, ao
mesmo tempo, uma companhia para as horas solitárias.
Das rodas de amigos, em torno do
mate, do chimarrão, do café da tarde ou do chá das cinco, migraram para o
teclado do computador, até horas mortas da madrugada.
Alguns os vêem como quem já viveu
tudo e nada mais aguardam. Contudo, essas pessoas que trazem o rosto coberto de
rugas, que são depositárias da história e têm muitos casos para contar,
são uma lição viva de alegria de viver.
Eles mantêm a vontade de sorrir,
acreditando que o bom humor faz bem para o corpo e para a alma. Encaram a vida
de frente e enfrentam os problemas que surgem.
Desejam viver, embora alguns já
tenham ultrapassado o centenário. Num mundo onde a juventude é sinónimo de
beleza, eles trazem brilho no olhar.
As rugas, que tecem arabescos no
rosto, são as marcas de uma vida bem vivida. Cada uma delas conta uma história
de dor, de alegria, de superação.
Uma história de quem sofreu o
devastar dos ventos da adversidade, mas soube se reerguer depois da tormenta.
História de quem esteve inúmeras
vezes nos aeroportos da vida, recebendo novas gerações e despedindo-se de
amores, de amigos, de companheiros de jornada.
Partidas e chegadas. E foram
tantas...
Uns se apresentam com a memória
mais ágil que outros. Alguns são portadores de certas limitações físicas. De um
modo geral, apresentam dores nas articulações ou problemas de audição, de
visão.
Mas não permitem que se instale a
depressão em seu estado de espírito. Agasalham entusiasmo pela vida.
E tecem planos para os dias
futuros.
O pai do conhecido maestro João
Carlos Martins iniciou sua vida como escritor aos oitenta e seis anos.
Legou à posteridade sete livros.
O último livro que escreveu, aos cento e um anos, causou tal impacto que o Guinness
book o registou na condição de escritor que iniciou a carreira com a
idade mais avançada.
Desencarnou aos cento e dois
anos.
* * *
Esses idosos de sorriso aberto,
de esperanças ainda em flor, nos são exemplos.
Esses idosos que não se permitem
ao "status" pelas décadas acumuladas nos ombros, nos dizem que somente
é infeliz quem maldiz a própria idade e a culpa por todos os seus fracassos.
Eles nos dizem que a vida é um
bem extraordinário e deve ser vivida em toda sua essência e substância. Deve
ser sorvida, até a última gota, até o último amanhecer...
Pensemos nisso.
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