terça-feira, outubro 24, 2006

Paradigma

Levanto cedo, ainda noite. Vagueio entre o espaço escuro da casa. Alterno entre os quartos. Visto-me saio. Entreolho as expressões na auto-estrada enquanto os automóveis revelam os seus ocupantes, os seus comportamentos, as suas expressões. Atinge-me uma dormência dirigível Volto ao jogo habitual que sempre me fascina, olhar entre o pára e o arranca para quem passa mesmo junto viatura ao lado, na auto-estrada congestionada. Meu Deus, se me atrevo ainda a mencionar seu nome, é riquíssima esta experiência… Como é possível chegar até ás pessoas sem as conhecer… e entretanto desvendar comportamentos pelas atitudes. É ainda mais incrível se colocar no exercício algumas bitolas. Por exemplo: quantas sorriem dentre estas talvez centenas de pessoas que de manhã se dirigem para os seus trabalhos, em direcção à cidade? Será que se pode colocar a questão no plural, bem talvez por muito pouco. A enorme quantidade de pessoas que vão de manhãzinha para a cidade com expressões vazias, fardadas, intoxicadas em fumo de cigarro…. aparelhos de telemóvel tantos dependurados nas orelhas, grotescos a enfeitarem pobres humanos despidos de sua humanidade natural. Até parece por momentos, que aquelas pessoas fazem parte da viatura, alimentadas a combustível, mecanizadas, programadas em alguma oficina de marca. É muitas dessas vezes minha alma arrepia, ao encontrar-me ali bem no meio, fazendo parte dessa amalgama poluente e fria, insensata e impiedosa, destruidora de energias. É ai também muitas vezes, que sinto no automóvel que passa ao lado no pára e arranca, um irmão ou uma irmã que está exactamente a pensar o mesmo: - Que raio estou eu a fazer aqui?

quinta-feira, outubro 19, 2006

VidaNova

Tudo que acontece a todo instante sempre tem relação connosco, tal é a abundância com somos premiados enquanto cidadãos do Mundo. Em sentido figurado é como se cada um de nós fosse como escape de automóvel; peça de motor que é simultaneamente filtro, silenciador, transformador/compressor e medianeiro, entre a máquina a sua finalidade, seu complemento e por fim o meio ambiente. É como se as pessoas fossem a parte mais importante e derradeira, entre o imensurável e o que se materializa, é como se fossemos oleiros cósmicos. Acredito na benção da vida, nas comunidades, na instrução a cada instante, e este VidaNova é sem duvida um ponto de encontro muito instrutivo. Abraços a todos.

é o consumismo!!!

Gostaria só de partilhar desenvolvendo aquele que é talvez em larga escala, o maior impedimento do coração se libertar, de se conhecer de verdade, lá no sítio da “minha aldeia”.
É um mal atroz e impiedoso que pega desprevenido todo tipo de cidadão e consegue encontrar todo o método e forma de se fazer necessário e até de passar desentendido. Pega pessoa de posses, pessoa carenciada, aliás pega mesmo todo tipo de pessoa. É o consumismo. Cuidado irmão, pois conforto tem tanto de bom, como de escravizante.
E hoje tem lojinha para tudo, até para o impensável. Pior mesmo é que o mal que o consumismo causa, é sugar tua energia, deixar-te vitima de uma insatisfação pegajosa, mais parecida com circulo vicioso que com qualidade de vida. Abraço a todos e bom fim-de-semana!

Sonho azul

Estava em alguma rua de algum lugar familiar. Predominava a noite e a ténue luminosidade era somente provocada por alguns corpos quentes, personagens conhecidas que nesta história revolviam em suas próprias questões. Estávamos como que suspensos, todos dentro de uma antiga casa grande e em penumbra. Lembro que estava cá fora algo a acontecer. Estavam agitados. Estranhamente, apesar de conhecer rostos que se agitavam alguns até a quem estou ligado em outras realidades, não me perturbava com esta agitação. Era como só estivesse a assistir a toda a acção como uma tela tridimensional. Todos à porta, abeirados da rua em que algo acontece. Ilumina o espaço tanto mais, como eu mais me desvaneço. Perco todos de vista, não resisto. Atravessa-me uma melancolia paralisante enquanto sem qualquer sensibilidade manifestada, dou por mim a ser sugado em lento voo sobre a calçada, depois a rua, os telhados e finalmente a cidade escura. Já só vislumbro as luzes á distancia… enquanto ao meu redor extasio minha tristeza redentora ao redor de estrelas e de uma luminosidade própria dos espaços altos e profundos. Algo dentro de mim me faz crer que viajo para longe da minha anterior existência conflituosa. Não reajo em redobrada inércia enquanto sou atraído para um destino desconhecido e irresistível. Voo de costas voltadas, voo em marcha atrás…sobre o planeta até ficar sem referencias de lugar algum… Recobro a consciência defronte ao balcão da estação azul. À minha esquerda estará um carro vermelho, outro amarelo e mais um ou outro mais, estacionados ordenadamente sendo os únicos a destoar o ambiente azul eléctrico do local… mas não me detenho tão pouco mais do que é preciso, nestes carros prontos a partir. Detenho-me imóvel em frente a um balcão azul, Á minha frente o recepcionista, um pequeno ser azul de feições humanas, pele azul, olhos brancos muito expressivos, tristes de mais, conformados e solícitos. Ficamos assim parados, cada um no seu lado do balcão, fitando-nos silenciosamente, quando sinto lentamente como a sacudir o torpor em que me encontro, a solicitação de uma decisão de minha parte. Ele quer saber se desejo uma chave de um carro, se desejo partir de novo, conduzir de novo, iniciar nova condução. Seus olhos permanecem como seu corpo, imóveis e inexpressivos. Brancos a contrastarem com o azul-escuro e etéreo da estação. Estou incapaz de responder, deliciado com esta avassaladora tristeza azul eléctrica que me atravessa e paralisa os movimentos, sinto-me um corpo celeste sem vontade própria além da capacidade de raciocinar, de contemplar. Espero na resposta, demoro o tempo que me parece um instante, mas sem qualquer aviso e serenamente, sou novamente elevado de costas para cima, irresistivelmente. E enquanto levito em direcção ao que me fica por detrás, fixo meu olhar neste ser azul como que em despedida e então compreendo. A minha escolha estava tomada. Não vou prosseguir, pelo menos por agora. Tenho que ficar, trago uma tristeza grande e profunda de mais para me poder expressar por vontade própria. Devo restabelecer-me para que possa visualizar próximos capítulos, de uma forma participativa. Agora por enquanto, sigo na direcção de quem toma conta de mim.

terça-feira, outubro 17, 2006

superando a dor

No dia 28 de julho de 1976, a cidade industrial de Tangshan foi completamente arrasada por um terramoto apavorante. 300 mil mortos. O fato ficou famoso como símbolo do colapso total das comunicações da china naquela época. A preocupação das autoridades era com a crise pela morte de Mao Tsétung e duas outras importantes personalidades. A notícia do terramoto acabou chegando ao governo através da imprensa estrangeira. Muitas mulheres ficaram sem marido e viram seus filhos desaparecer em abismos profundos. Chen foi uma delas.
Naquela manhã de julho, antes de clarear, ela foi despertada por um som estranho. Era uma espécie de ronco surdo e um assobio, como se um trem estivesse se espatifando contra as paredes da casa. Quando ia gritar, metade do quarto cedeu e a cama onde estava deitado o marido, foi tragada por um buraco enorme. O quarto das crianças, que ficava do outro lado da casa, como um cenário de um palco apareceu à sua frente. O filho mais velho estava de olhos arregalados e boca aberta. A menina chorava e gritava, estendendo os braços para a mãe. O filhinho pequeno continuava dormindo calmamente. A cena à sua frente sumiu de repente como se uma cortina tivesse caído. Chen acreditou que estava tendo um pesadelo e se beliscou. Não acordou. Então, espetou a perna com uma tesoura. Sentindo a dor e vendo o sangue, entendeu que não era um sonho. Gritou como louca. Ninguém ouviu. De todos os lados vinha sons de paredes desmoronando e de móveis quebrando. Ela ficou ali, com a perna ensanguentada, olhando para o buraco enorme que tinha sido a outra metade da sua casa. Seu marido e suas lindas crianças tinham desaparecido diante dos seus olhos. Sentiu vontade de chorar, mas não tinha lágrimas. Simplesmente não queria continuar vivendo.
Vinte anos depois, contando esta história a uma jornalista, Chen confessa que quase todo dia, ao amanhecer, ouve um trem roncando e apitando, junto com os gritos dos seus filhos. Os pesadelos a machucam, mas ela diz que os suporta porque neles estão também as vozes dos seus filhos.
E quem pensa que Chen vive somente a lamentar e a chorar a perda dos seus amores, engana-se. Ela junto a outras mães que perderam seus filhos no terramoto de 1976, fundaram um orfanato, com o dinheiro da indemnização que receberam. É um orfanato sem funcionários. Alguns o chamam de uma família sem homens. Vivem ali algumas mães e dezenas de crianças. Cada mãe ocupa um aposento grande com 5 ou 6 crianças. Os aposentos do orfanato foram decorados com uma infinidade de cores, de acordo com o gosto das crianças. Cada quarto com seu estilo de decoração. Bem diferente dos orfanatos tradicionais da china.
Ao ser questionada como se sente hoje, naquele voluntariado, confessa Chen: "muito melhor. Especialmente à noite. Fico olhando enquanto as crianças dormem. Sento ao lado delas, seguro suas mãos contra o meu rosto. Beijo-as e agradeço a elas por me manterem viva. É um ciclo de amor. Dos velhos para os jovens e de volta para os velhos."
"do livro As boas mulheres na China, de autoria de Xinran,ed. Companhia das letras"

carbono vegetal

Hoje ocorre-me a imagem de um prumo invisível na verticalidade humana. Esse prumo a quem dão inúmeros nomes com maior ou menor grandeza, como uma cana ao suster uma frágil planta, este sustêm o homem em suas demandas diárias. Será impressão… produção fictícia, mas parece-me pelos resultados de todos os gestos contidos e continuados, da generalidade das pessoas que se cruzam comigo, que se lhes faltar um só instante que seja, esse prumo invisível, …que tal seria voltar ao jurássico, onde o dinossáurio agora seria o homem, a criatura mais velha da terra…. primitiva. A sociedade na minha aldeia, roça vertiginosamente o cair de um castelo de cartas. Porque será que sinto este caos iminente no rosto mais civilizado, ao ponto de achar que a sua própria civilidade é uma máscara ou extra muitas vezes mal disfarçada… Que será se cair entre nós de forma feroz a bactéria da bestialidade, se nos retirarem a todos o nosso prumo invisível. Qual bomba atómica… isso seria mil vezes mais devastador… Um tipo de sodomia geral, fora dos corredores do poder, muito mais abrangente. Por cá, identifico, catalogo, mantenho a calma como se fosse a esperança e espero não rebentar nalgum pranto injusto. não fosse ofender o meu prumo invisível que tanto amo, que é conceito são da beleza, do amor, da minha própria existência.

agora nasci

agora nasci, prá frente e pra trás. vou enquanto conseguir e me der o gosto colocar entre as datas, prá frente e pra trás, as coisas que me passam como as coisas que me trespassam, me fazem quase esquecer a realidade, me confundem e ajustam os sentidos para percepções novas, ou velhas de mais... vou crescer aqui, encaixado neste arrepio repetido virtualmente, daquilo que fui ou serei, daquilo que não sei se sou