quarta-feira, janeiro 10, 2007

RSA - Voluntariado

É difícil expressar em palavras o que a acção da RSA, significa para mim.
Relato o que sinto salvaguardando as opiniões dos/as colegas de ronda que naturalmente terão as suas próprias experiências. Mas não me surpreenderia não ser o único a passar por este tipo de experiência:
A ponte que liga dois extremos:
De um lado da ponte a acção dos voluntários e os próprios sem abrigo. Simples, fraterna, nobre e desinteressada. Se pudesse ser avaliada pelas imagens exteriores, veríamos um pequeno mas unido grupo de homens e mulheres de diversas idades, confraternizando com os muitos cidadãos que vivem mais ou menos permanentemente nas ruas da cidade do Porto. São vidas que se misturam entre os sacos de alimentos, as roupas e os cobertores que tentam mitigar carências maiores, que as da falta de pão. São intenções de passar alguma esperança, alguma força de vontade a estes irmãos, para que não abdiquem de sua dignidade humana em seus confrontos com as muitas atribulações que caracterizam a vida de rua. Como quem ao partilhar um gesto partilha o saber, da muitas vezes frágil fronteira que a todos a cada instante divide, entre um homem e uma fera. São conselhos sãos que nos sem abrigo procuram imediata utilidade, ainda que indirectamente a todos os habitantes da cidade sem excepção beneficiem. Afinal quem não aprecia um pouco menos de dor um pouco mais de paz, em nossas ruas. Muitas vezes passa por escutar alguns lamentos, destes muitos marginalizados. Mas também se sorri muito, que no meio de tanta dor muitas vezes nasce um sorriso puro, como uma flor.
Do outro lado da ponte os homens e mulheres que compõe a ronda dos sem abrigo. O que cada um sente no seu intimo a cada instante. Aqui relato unicamente a minha experiência. No dia em que vou fazer a ronda, quando chega a hora de deixar o conforto e segurança de meu lar, ao beijar a minha esposa e a minha pequena filha, saio para a rua encorajado pelo ânimo que estas me transmitem. Um ânimo revestido de uma aprovação serena, que ainda nos une mais fortemente.
Sinto nesses momentos em meu coração, a ternura dos nobres laços que podem envolver um núcleo familiar. E fico em gratidão com a vida. Ao chegar à cidade é o encontro com os colegas para organizar e preparar os alimentos e as roupas que vão ser distribuídas. É para mim, o reencontrar do sentimento que referi ao sair de casa, mas desta vez ao reencontrar os/as colegas de ronda. E fico uma vez mais, em gratidão com a vida. Tudo arrumado e antes de sair para as ruas, num círculo ritual e fraterno, trocamos conselhos sobre os vários procedimentos da equipe, a coordenação necessária para que todos estejam o mais possível em segurança em alguma situação que possa surgir de forma inesperada. São muitos os locais esquecidos e problemáticos que a ronda visita. Para finalizar alguém em oração curta e breve dá o mote para aquela noite. Humildemente pede a protecção, o conselho, o bom desempenho de cada um para as horas que se vão seguir. Muitas vezes é nesta altura que reparo, como me sinto afortunado por estar bem no meio destas pessoas e sentir-me estimado por elas. E fico em gratidão com a vida. Saímos para a ronda e é quando se torna mais inexplicável por palavras. Parece que cada um cumpre sempre uma função específica planeada no segredo da sua alma, ora dando ora recebendo apoio de algum lado e entre os locais que se sucedem, casos que acontecem. É nesta altura para mim que o espírito de equipa se revela de forma mais intensa. Que somos uma equipa que se protege mutuamente, que está atenta e de mente aberta para receber quem necessite de atenção. Um tipo de equipa que se confirma na acção.
Umas horas depois, mais desgastado que cansado com tantos problemas aos quais não pudemos por um ou outro motivo valer como gostaríamos, até porque no final depende sempre da vontade da pessoa o ser ajudada ou não, recolhemo-nos novamente num círculo. De forma meditativa revemos a noite e os seus casos, partilhamos as experiências e revimos modos de actuar. Por fim despedimo-nos como iniciáramos. Recitamos em conjunto uma oração pelo mundo e sobretudo por aqueles que nessa mesma noite encontramos, em situação problemática. Para que encontrem a luz suficiente para a resolução dos seus problemas. Para que este lindo planeta em que habitamos se torne cada vez mais um lugar onde se promova a saúde, o respeito de uns pelos outros, pelo ambiente do qual fazemos todos parte sem excepção ou melhor, sem exclusão. E fico em gratidão com a vida.
A RSA faz-me recordar aquela frase: Um pequeno passo na direcção certa é bem mais importante que um grande passo, na direcção errada.
Para mim, todos os voluntários de organizações que pratiquem obras similares á RSA, como referia o poeta Libanês Kahlil Gibran, estão entre os verdadeiros protectores da terra e do ambiente.
Aqui referi o outro lado da ponte.
O percurso entre as margens gostaria de considerar este preciso momento. São as pessoas maravilhosas que acompanho, que me encantam, é a vontade de estreitar as margens. É este excelente exercício filantrópico, uma preciosa forma de integração ou iniciação se assim o quiser, a uma muito mais completa noção daquilo que compõe o nosso espaço vivo diário. Aquele que afinal, é o que mais interesse tem. Um abraço a todos os/as colegas de ronda e em especial à maravilhosa “Tia Jú”, por quem eu sinto o maior respeito e admiração.
Bem Hajam todos.

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