quarta-feira, maio 09, 2012

Aprender a aceder...

É fácil e um acto continuo...
quando andares na rua, em qualquer sitio, 
discretamente vê em cada rosto que cruzas,
a criança que esse rosto foi.



Depois inicias a entender no que aquela criança se tornou.

Entendes no Ser adulto a totalidade daquele que foi Criança.

Entendes como os inofensivos e muitas vezes inocentes traços daquela criança, se converteram  em máscaras esculpidas na pele, a cinzel.


É delicioso decifrar dessa forma, compreendendo que o processo que acontece nos outros se revela em ti, então reparas...

É muito recompensador, de grande leveza, recuperar a criança que cada adulto foi, apenas pela forma do olhar, que então nos ensina... as reflexões mais inesperadas.

Novas formas de pensar, integrantes.


Nunca conheci criança que não gostasse, não sentisse compaixão genuína.
As crianças são belas, mesmo quando desajeitadas e até cómicas nas suas palhaçadas.
As crianças naturalmente fazem o coração vibrar, fazem quereres ser protector/a, afectivo/a, dão sentido à tua própria existência.
Por mais que cansem, no fim do dia, dás conta regeneraram alguma parte de ti.

Porque é que então esquecemos as crianças assim que se tornam adultos?
Porque é que subitamente já não servem para brincar, mas para competir...
Porque é que as queremos subjugar à nossa vontade?
Porque é que depois de crescerem já lhes vemos só defeitos?

Desconfio disto.


E a pratica do olhar revela-me em todos os adultos, a criança que foram.

E até me rio sem darem conta, rio-me desde o meu interior, porque vejo sem denunciar, a raiz de uma atitude prepotente por exemplo, na criança em que uma vontade caprichosa não foi atendida e que o Adulto em que se tornou trouxe consigo desde lá, de pequenina, sem dar conta até hoje...


É como se os adultos não quisessem deixar de ser crianças e como não sabem como evitar o crescimento, agarram-se com unhas e dentes àquilo que foram em pequeninos, às escondidas, e depois crescem nos seus mundos secretos, meio inconscientes destes processos, alimentando uma solidão sem fim.


Olhei aquele velho na paragem de autocarro, aquela senhora com uma expressão cerrada, em cada ruga dos seus rostos os anos duros reflectidos, severos, violentos, assustados e compenetrados, ofensivos até... e o meu olhar parecia descobrir  ao descascar essas vestes, encontrar aquelas pessoas num tempo que foi delas, quando elas eram crianças. Foram tão belas... e mais engraçado, ainda mantém muito dos seus pretéritos brilhos no olhar, é possível sim, ver naquele olhar grave e pesado, um outro que lhe está anterior, como se fosse a sua essência, que corresponde a uma criança traquinas... sem maldade, apenas em pleno processo de criança.


Perdoem-me se parece blasfémia, mas começo mesmo a acreditar que a grande maioria dos adultos que conheço, incluindo-me óbviamente, são no mínimo uma frágil representação daquilo que eles foram em crianças... até como ser completo.

Sem comentários:

Enviar um comentário